Era 2020, Carnaval. Fomos, como fotógrafos de casamento a Veneza, celebrar pelas ruas (ou pelos canais) o amor do Vitor e da Grasiele. Encontrámos, como esperávamos, a multidão, os passeios de gôndola, a montra (só a montra!) do Caffè Florian e a vista maravilhosa do Grande Canal rasgando em S a malha densa da cidade. Deambulámos com os nossos noivos pelas ruas e pelos canais, entre as tradicionais máscaras de Carnaval: a Bauta, a Colombina, a Moretta, o Arlequim… e o Médico da Peste, premonitório.
Era fevereiro de 2020 e ouvia-se falar dessa nova peste. O Covid19 era o tema de todas as conversas, ainda desconhecido e não experimentado, mas vertido em receios e dúvidas, a cada frase.
Terminado o nosso trabalho como fotógrafos de casamento em Veneza, sobravam-nos dias extra para saborear o Carnaval (e os ravioli e os gelati). Acordámos para o Volo dell’Aquila na Piazza San Marco que se enchia, alimentada de um fluxo contínuo de mascarados, chegados por todas as artérias da cidade àquele coração. A águia, herdeira de outras que desde o século XVI voam sobre a praça, “contagia os foliões de alegria, emoção e beleza” – assim se apregoava.
Mas a Covid19 explodiu!
Alguém tinha experimentado o Covid 19 e os receios tornaram-se concretos, ganharam rosto, nome e passaram a medo.
A Águia não voou. O Carnaval fora cancelado, temeram que o contágio não fosse de alegria mas da dita peste. O fluxo inverteu e, pelas mesmas artérias, num ápice, se foram os foliões e a alegria. Ficou a praça esvaziada. Foi como se a multidão tivesse escoado com as águas da lagoa.
Para nós, Menino e Menina, foi uma espécie de êxtase assustado. Tínhamos receio como os outros mas, ao mesmo tempo, estávamos deslumbrados com o ambiente enlouquecido e aquele cenário apocalíptico de uma Veneza deserta. Era extraordinário: nós, fotógrafos de casamento em Veneza, por um gracejo do destino, testemunhávamos, naquela cidade singular e maravilhosa, o brotar deste evento que mudaria o mundo e marcaria todas as pessoas vivas.
E como isso era fotografável!… o deslumbre para um fotógrafo de rua, como nós tanto gostamos de ser!
Calcorreámos todas as ruas, todas as pontes, cada recanto.
Nos rostos raros que ainda deambulavam pelas ruas, às máscaras de Carnaval, somavam-se as máscaras cirúrgicas, numa redundância burlesca e risível – na verdade bem apropriada ao Carnaval. E até esses rostos foram desaparecendo. Ficaram as pombas saltitando pelos lajeados, as cadeiras empilhadas nas esplanadas e os reflexos tranquilos das águas nos canais onde, naqueles dias, ninguém gondolava.
Há algo de extraordinário e de irrepetível nesses dias, como se tivéssemos viajado a um tempo anterior à invenção do turista e da selfie. Veneza deserta e silenciosa. Veneza nossa. Veneza só nossa!
De regresso a casa, a um Porto que era também deserto, a vida em tempo de pandemia!